Carlos queixava-se ao Sr. Vicente, o mestre de obras, que lhe asseverava invariavelmente «como daí a dois dias havia de s. Ex.ª ver a diferença.» Era um homem de meia idade, risonho, de falar doce, muito barbeado, muito lavado, que morava ao pé do Ramalhete, e tinha no bairro fama de republicano. Carlos, por simpatia, como vizinho, apertava-lhe sempre a mão: e o Sr. Vicente, considerando-o por isso um «avançado», um democrata, confiava-lhe as suas esperanças. O que ele desejava primeiro que tudo era um 93, como em França...
- O que, sangue? dizia Carlos, olhando a fresca, honrada e roliça face do demagogo.
- Não, senhor, um navio, um simples navio...
- Um navio?
- Sim, senhor, um navio fretado à custa da nação, em que se mandasse pela barra fora o rei, a família real, a cambada dos ministros, dos políticos, dos deputados, dos intrigantes, etc. e etc.
Carlos sorria, às vezes argumentava com ele.
- Mas está o Sr. Vicente bem certo, que apenas a cambada, como tão exactamente diz, desaparecesse pela barra fora, ficavam resolvidas todas as coisas e tudo atolado em felicidade?
Não, o Sr. Vicente não era tão «burro» que assim pensasse. Mas, suprimida a cambada, não via s. ex.ª? Ficava o país desatravancado; e podiam então começar a governar os homens de saber e de progresso...
- Sabe v. Ex.ª qual é o nosso mal? Não é má vontade dessa gente; é muita soma de ignorância. Não sabem. Não sabem nada. Eles não são maus, mas são umas cavalgaduras!
- Bem, então essas obras, amigo Vicente, dizia-lhe Carlos, tirando o relógio e despedindo-se dele com um valente shake-hands, veja se me andam.