Eu estava no canto do parapeito, às cinco horas da manhã. Era sempre uma hora perigosa, pois tínhamos o sol surgindo às nossas costas, e quem pusesse a cabeça acima do parapeito ficava claramente delineado contra o céu. Conversava com as sentinelas, antes de trocar a guarda. De repente, quando dizia alguma coisa aos mesmos, senti... É muito difícil descrever o que senti, embora relembre tudo com a maior clareza.
Por assim dizer, era a sensação de estar no meio de uma explosão. Pareceu-me que houvera um estouro e um relâmpago de luz ofuscante ao meu redor, e senti um choque tremendo - dor nenhuma, apenas um choque violento, como o que se recebe de um fio elétrico. E sobreveio uma sensação de fraqueza absoluta, de ter sido batido e reduzido a nada. Os sacos de areia à minha frente recuaram para distância enorme. Acredito que se sinta coisa bem parecida caso um raio nos atinja. Sabia instantaneamente que fora atingido, mas por causa do que me parecera o estampido e relâmpago, achei que fora um fuzil por perto que disparara acidentalmente e me atingira. Tudo isso ocorreu em espaço de tempo muito inferior a um segundo. No momento seguinte meus joelhos cediam e eu caía, batendo com a cabeça no chão com muita força e isso, para meu alívio, não doeu. Encontrava-me tomado por uma sensação embotada e estonteada, a consciência de estar seriamente ferido, mas dor nenhuma, no sentido comum.
A sentinela norte-americana com quem estivera falando adiantou-se para mim.
- Puxa! Você está ferido?
Formou-se um grupo de pessoas ao meu redor, bem como a agitação comum a essas ocasiões.
- Levantem o homem! Onde está ferido? Abram a camisa dele! Etc. etc.
O norte-americano pediu uma faca para abrir minha camisa. Eu sabia ter uma no bolso e tentei apanhá-la, mas descobri que o braço direito estava sem movimentos. Não sentindo dor alguma, fui tomado por certa satisfação. Aquilo certamente ia agradar minha mulher, estava pensando. Ela sempre quisera que eu fosse ferido, o que impediria minha morte quando chegasse a grande batalha. Somente agora é que me ocorria perguntar onde fora atingido, e se era coisa grave; eu não sentia coisa alguma, mas estava cônscio de que a bala me pegara em algum lugar na parte dianteira do corpo.