Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 3: III Pág. 149 / 273

A consciência do local onde se encontrava regressou lentamente até ele, através de um vasto espaço de tempo, vazio de luz, de sentimentos, de vida. O cenário sórdido compôs-se de novo à sua volta; as palavras vulgares, os candeeiros de gás acesos nas lojas, os odores a peixe, a álcool e a serradura, os homens e as mulheres que caminhavam pela rua. Uma velha ia começar a atravessar a rua, com uma almotolia na mão. Ele inclinou-se e perguntou-lhe se havia alguma capela ali perto.

- Uma capela, meu senhor? Sim, senhor. A capela da Rua da Igreja.

- Rua da Igreja?

Ela passou a almotolia para a outra mão e apontou-lhe o caminho; e, quando ela estendeu a mão direita enrugada e malcheirosa por baixo das franjas do xaile, ele inclinou-se mais para ela, entristecido e reconfortado pela sua voz.

-Obrigado.

- Não tem de quê, meu senhor.

As velas do altar-mor estavam já apagadas mas a fragrância do incenso ainda flutuava na nave sombria. Alguns operários barbudos, de rostos piedosos, faziam passar um docel por uma porta lateral, enquanto o sacristão os orientava com tranquilos gestos e palavras. Alguns fiéis ainda se demoravam em oração diante de um dos altares laterais ou estavam ajoelhados nos bancos diante dos confessionários. Aproximou-se timidamente e ajoelhou no último banco da igreja, grato pela paz, pelo silêncio e pela sombra fragrante da igreja. A tábua sobre a qual se ajoelhara era estreita e gasta e os que se ajoelhavam junto dele eram humildes seguidores de Jesus. Jesus também nascera na pobreza e trabalhara na oficina de um carpinteiro, serrando tábuas e aplainando-as, e tinha começado por falar do reino de Deus aos pescadores, ensinando todos os homens a serem mansos e humildes no seu coração.

Inclinou a cabeça sobre as mãos, pedindo ao seu coração que fosse manso e humilde para que ele pudesse ser como aqueles que se ajoelhavam perto dele e a sua oração fosse tão aceitável como a deles.





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