Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 1: I Pág. 42 / 273
Talvez eles tivessem roubado um ostensório e fugido com ele para o ir vender a qualquer lado. Devia ter sido um pecado terrível, ir até lá, na calada da noite, abrir o armário escuro e roubar aquela coisa brilhante e dourada dentro da qual Deus era posto no altar, entre as flores e as velas, na altura da bênção, quando o incenso se elevava em nuvens de ambos os lados, enquanto o colega agitava o turíbulo e Dominic Kelly cantava a primeira parte sozinho, no coro. Mas, evidentemente, Deus não estava dentro dele, na altura em que o roubaram. No entanto, era um estranho e grande pecado tocar-lhe, sequer. Pensou no assunto com profundo terror e espanto; um pecado terrível e estranho. Ficava arrepiado só de pensar nele, enquanto os aparos raspavam levemente o papel. Mas beber o vinho da missa que estava no armário e ser descoberto pelo cheiro também era um pecado; porém, não era tão terrível nem tão estranho. Só o fazia sentir-se um pouco agoniado, por causa do cheiro do vinho. Porque, no dia em que tinha feito a sua primeira comunhão, na capela, tinha fechado os olhos e aberto a boca e posto a língua de fora; e, quando o reitor se tinha inclinado para ele, para lhe dar a sagrada comunhão, tinha sentido um vago odor a vinho no hálito do reitor, que bebera o vinho da missa. A palavra era bela: vinho. Fazia-o pensar no roxo-escuro, porque tinham uma cor roxa-escura as uvas que cresciam na Grécia, no exterior de casas semelhantes a templos brancos. Mas o vago cheiro a vinho no hálito do reitor tinha-o feito sentir-se um pouco enjoado na manhã da sua primeira comunhão. O dia da primeira comunhão era o dia mais feliz da vida das pessoas. E, certa vez, urna data de generais tinha perguntado a Napoleão qual tinha sido o dia mais feliz da sua vida.