Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 76 / 273

Um relâmpago de momentânea ira atravessou a mente de Stephen, perante aquelas indelicadas alusões diante de um estranho. Para ele, nada havia de divertido no interesse e atenção de uma rapariga. Durante todo o dia, não tinha pensado noutra coisa que não fosse a despedida deles nos degraus do tramway em Harold's Cross, a corrente de melancólicas emoções que ela lhe tinha provocado e no poema que tinha escrito a esse respeito. Durante o dia inteiro, imaginara um novo encontro com ela, porque sabia que ela viria assistir à peça. A antiga e inquieta melancolia tinha invadido de novo o seu peito, como sucedera na noite da festa, mas não encontrara uma expressão em verso. O crescimento e a experiência de dois anos de adolescência erguiam-se entre aquele momento e este, impedindo uma tal expressão. E, durante todo o dia, a corrente de melancólica ternura tinha fluído e refluído dentro dele, em sombrias marés altas e baixas, desgastando-o, até a brincadeira do prefeito e o rapazinho de rosto pintado lhe terem provocado um movimento de impaciência.

- Por isso, bem podes confessar - prosseguiu Heron - que desta vez te descobrimos. Não podes continuar a armar-te em santo comigo, tão certo como dois e dois serem quatro.

Escapou-lhe dos lábios uma suave risada forçada e, inclinando-se como anteriormente, deu uma leve pancada na barriga da perna de Stephen com a bengala, num gesto de divertida reprovação.

O momento de ira de Stephen já tinha passado. Não se sentia nem lisonjeado nem confuso, desejava apenas que a brincadeira chegasse ao fim. Não o incomodava grandemente o que lhe parecia uma estúpida indelicadeza, porque sabia que a aventura dentro da sua mente não corria perigo com aquelas palavras: e o seu rosto espelhou o sorriso falso do seu rival.





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