As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 92 / 339

O agricultor, depois de ter ouvido as explicações do servente, tal como pude deduzir pelo tom da conversa, pegou num pedacinho de palha com o tamanho de uma bengala e levantou as abas da minha jaqueta que lhe pareceram algum tipo de cobertura que a natureza me proporcionara. Com um sopro fez-me esvoaçar os cabelos para me ver melhor a cara. Chamou os trabalhadores para lhes perguntar (segundo soube mais tarde) se alguma vez tinham visto nos campos uma pequena criatura semelhante a mim. Colocou-me então cuidadosamente no chão, ficando eu de gatas, mas levantei-me de imediato para caminhar devagar de um lado para o outro, dando-lhes a perceber que não tencionava fugir. Sentaram-se todos em círculo à minha volta a fim de observar melhor os meus movimentos. Tirei o chapéu e fiz uma profunda reverência ao agricultor. Ajoelhei-me, ergui os olhos e as mãos e disse, em voz muito alta, algumas palavras. Tirei da algibeira uma bolsa cheia de ouro e, humildemente ofereci-lha. Pô-la na palma da mão, aproximando-a dos olhos para ver do que se tratava e dando-lhe depois, por diversas vezes, voltas com a ponta de um alfinete que tirara da manga, mas não conseguindo perceber o que era. Fiz-lhe então sinais para assentar a mão no chão, peguei na bolsa, abri-a e esvaziei todo o conteúdo na sua mão. Havia quatro moedas de prata de seis escudos, além de vinte ou trinta moedas de menor tamanho. Vi que humedecia a ponta do dedo mínimo e apanhou uma das moedas maiores, e depois outra, ainda que não percebesse o que eram. Fez-me sinais para as voltar a pôr na bolsa e para a guardar na algibeira. Insisti na oferta e ele insistiu na recusa, pelo que achei melhor guardá-la.

O agricultor estava convencido de que eu devia ser uma criatura racional. Falava-me amiúde, mas a sua voz perfurava-me os ouvidos como o estrondo de uma azenha.





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