E enquanto escutava, ou pensava escutar, todo o ambiente em torno dela foi ocupado pelas estranhas criaturas do sonho de sua irmãzinha.
As longas folhas de relva farfalhavam sob seus pés enquanto o Coelho Branco passava apressado... O Rato amedrontado agitava a água ao passar na lagoa ali pertinho... Ela podia ouvir o tinir das xícaras de chá enquanto a Lebre de Março e seus amigos compartilhavam seu infindável lanche, e a voz aguda da Rainha condenando à execução seus infelizes convidados... Outra vez o bebê-porquinho espirrava no colo da Duquesa enquanto pratos e travessas se estraçalhavam ao redor... Outra vez o guincho do Grifo, o ranger do giz do Lagarto, os aplausos abafados dos porquinhos-da-índia encheram o ar, misturados com os longínquos soluços da pobre Falsa Tartaruga.
Continuou ali sentada, com os olhos fechados, quase acreditando estar no País das Maravilhas, mas sabendo que bastaria abrir de novo os olhos e tudo voltaria à prosaica67 realidade: o farfalhar da relva se deveria apenas ao vento, e a agitação da lagoa apenas ao ondular dos juncos... o tinir das xícaras se transformaria no chocalho das ovelhas que por ali pastavam, e os berros estridentes da Rainha na voz do pastor... os espirros do bebê, o guincho do Grifo e todos os outros estranhos ruídos se transformariam (ela sabia disso) no confuso burburinho das atividades do campo... enquanto o mugido do rebanho ao longe tomaria o lugar dos profundos soluços da Falsa Tartaruga.
Por fim, ela imaginou como seria sua irmãzinha quando, no futuro, se transformasse em uma mulher adulta; e como conservaria, com o avançar dos anos, o coração simples e afetuoso da infância; e como reuniria em torno de si outras crianças e deixaria os olhos delas brilhantes e atentos a muitas histórias estranhas, talvez mesmo com o sonho do País das Maravilhas de tantos anos atrás; e como compartilharia as suas pequenas tristezas e as suas simples alegrias, recordando-se de sua própria infância e de seus felizes dias de verão.
FIM