A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 190 / 290

Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão vãos fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objectos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via anteriormente lhe parecerão mais verdadeiras do que os objectos que lhe mostram agora?

- Muito mais verdadeiras - reconheceu.

- E, se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

- Com certeza.

- E se - continuei - o arrancarem à força, da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até à luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que actualmente denominamos verdadeiras?

- Não o conseguirá - respondeu -, pelo menos de início.

- Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objectos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras, em seguida as imagens dos homens e dos outros objectos que se reflectem nas águas, por último os próprios objectos. Depois disso poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz.

- Sem dúvida.

- Finalmente, suponho eu, será o Sol - não as suas vãs imagens reflectidas nas águas ou em qualquer outra coisa -, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é.

- Necessariamente - disse ele.

- Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros na caverna.

- É evidente que chegará a essa conclusão.

- Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

- Sim, com certeza.





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