- Tais são - disse eu -, relativamente aos deuses, os discursos que é preciso fazer e não fazer, desde a infância, a homens que deverão honrar os deuses e os pais e ter em grande conta a sua mútua amizade.
- E essas conclusões parecem-me justíssimas.
- Mas, se devem ser corajosos, não se lhes devem também fazer discursos capazes de os libertar, tanto quanto possível, do medo da morte? Ou achas que é possível ser corajoso tendo em si este medo?
- Por Zeus! - respondeu -, é claro que não acho!
- Mas como! Aquele que acredita no Hades e o imagina como um lugar terrível, achas que não teme a morte e, nos combates, a prefere à derrota e à servidão?
- De maneira nenhuma.
- Também é preciso, como parece, vigiar os que empreendem contar essas fábulas e pedir-lhes que não vituperem, de modo simplista, as coisas do Hades, mas antes que as louvem; com efeito, as suas narrativas não são nem verdadeiras nem úteis a futuros guerreiros.
- Sem dúvida que é preciso - disse ele.
- Por conseguinte - prossegui -, apagaremos, a começar por estes versos, todas as asserções deste tipo:
Preferiria, criado de lavoura, estar ao serviço de outro, de um homem pobre e levando vida modesta, do que possuir o império dos mortos" ...
e esta:
(Aidoneu receou) que aos mortais e aos imortais se revelassem
as moradas aterradoras, tenebrosas, que os próprios deuses abominam.
E ainda esta:
Ah! deuses! de nós estd ainda nas moradas do Hades
uma alma e uma imagem, mas privada de todo o sentimento
e:
Só (Tirésias) conserva o sentimento entre o voo das sombras
e também:
A sua alma, voando do corpo, foi para o Hades, deplorando o seu destino, deixando a sua força e juventude
e:
... a alma sepultada, como um fumo, . ia-se embora soltando gritos agudos
e isto:
Como morcegos no fundo de um antro sagrado levantam voo chiando e se agarram uns aos outros, quando um deles cai da fiM que se aferra à rocha, assim, com gritos estridentes, elas partiam juntas ...
Pediremos a Homero e aos outros poetas que não levem a mal que apaguemos estas passagens e todas as do mesmo género; não porque lhes falte poesia e não soem bem ao ouvido da maioria: mas, quanto mais poéticas são, menos convém deixar que sejam ouvidas por crianças e homens que devem ser livres e recear a escravatura mais do que a morte.