A República - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 228 / 290

- E, naturalmente, este homem parcimonioso é um mau adversário nos concursos da cidade, onde se disputa entre particulares uma vitória ou qualquer outra honra; não quer gastar dinheiro com a glória que se alcança nestas espécies de combates; receia despertar nele os desejos pródigos e chamá-los em seu auxílio para vencer: como verdadeiro oligarca, luta apenas com uma pequena parte das suas forças e, a maioria das vezes, é derrotado, mas conserva as suas riquezas.

- É verdade - concordou.

- Duvidaremos ainda de que este parcimonioso, este homem de dinheiro, se situa junto da cidade oligárquica em virtude da sua semelhança com ela?

- De modo nenhum - respondeu.

- É a democracia, parece-me, que temos de estudar agora - como se forma e o que é - para conhecermos o carácter do homem que lhe corresponde e fazê-lo comparecer em juízo.

- Sim, seguiremos assim o caminho traçado.

- Ora bem! Não é da maneira seguinte que se passa da oligarquia à democracia, a saber: por efeito do insaciável desejo dos bens que o indivíduo se propõe e que consiste em tornar-se tão rico quanto possível?

- Como assim?

- Não devendo os chefes, neste regime, a sua autoridade senão aos grandes bens que possuem, recusar-se-ão, suponho eu, a fazer uma lei para reprimir a libertinagem dos jovens e impedi-los de dissiparem e perderem o seu património, porquanto têm a intenção de comprá-lo ou de o conseguirem pela usura, para se tornarem ainda mais ricos e considerados.

- Sem dúvida.

- Ora, não é já evidente que, num Estado, os cidadãos não podem honrar a riqueza e ao mesmo tempo adquirir a moderação conveniente, mas que são obrigados a desprezar ou uma ou outra?

- É bastante evidente - disse ele.

- Assim, nas oligarquias, os chefes, pela sua negligência e as facilidades que concedem à libertinagem, reduzem por vezes à indigência homens bem nascidos.

- Certamente.

- E assim temos, parece-me, estabelecidas nas cidades pessoas providas de aguilhões e bem armadas, umas crivadas de dívidas, outras de infâmia, outras ainda das duas coisas ao mesmo tempo: cheias de ódio por aqueles que adquiriram os seus bens, conspiram contra eles e contra o resto dos cidadãos e desejam vivamente uma revolução.

- É exacto.

- Todavia, os usurários seguem de cabeça baixa, sem parecerem ver as suas vítimas; ferem com o seu dinheiro quem quer que lhes dê ensejo para isso entre os outros cidadãos e, ao mesmo tempo que multiplicam os juros do seu capital, fazem pulular na cidade a raça do zângão e do mendigo.





Os capítulos deste livro