A República - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 282 / 290

- E por parte dos homens? - perguntei. - Não é assim que as coisas se passam, para dizer a verdade? Os patifes astutos não fazem como esses atletas que correm bem até ao limite do estádio, mas não no regresso? Começam por lançar-se com rapidez, mas pare o fim as pessoas riem-se deles, quando os vêem, de orelha caída, retirar-se precipitadamente sem serem coroados; ao passo que os verdadeiros corredores chegam ao fim, ganham o prêmio e recebem a coroa. Ora não se passa o mesmo, geralmente, em relação aos justos? No termo de qualquer empreendimento, do trato que têm com os outros e da sua vida, não adquirem um bom renome e não ganham os prêmios que os homens dão?

- Sim, com certeza!

- Admitirás, portanto, que eu aplique aos justos o que tu disseste dos maus. Com efeito, pretendo que os justos, chegados à idade madura obtenham na sua cidade as magistraturas que queiram obter, que escolham a sua mulher onde quiserem e dêem os seus filhos em casamento a quem quiserem; e tudo o que disseste desses, digo-o agora destes. E direi também dos maus que a maioria deles - mesmo quando escondem o que são durante a juventude - se deixam apanhar no fim da sua carreira e se tornam motivo de troça; chegados à velhice, são insultados na sua miséria pelos estrangeiros e pelos cidadãos, são chicoteados e sujeitos a esses castigos que com razão qualificavas de atrozes - em seguida «serão torturados, queimados com ferros quentes...»; numa palavra, supõe que me ouviste enumerar todos os suplícios que suportam e vê se me podes permitir que fale assim.

- Certamente - respondeu -, visto que tens razão.

- São estes, pois, os prêmios, as recompensas e os presentes que o justo recebe dos deuses e dos homens durante a vida, pare além dos bens que lhe proporciona a própria justiça.

- Sem dúvida que são belas e sólidas recompensas.

- Contudo - repliquei -, não são nada, nem pelo número nem pela grandeza, em comparação com o que espera, depois da morte, o justo e o injusto. É isto que se deve entender, a fim de que um e outro recebam até ao fim o que lhes é devido pela discussão.

- Fala; há muito poucas coisas que eu escute com mais prazer.





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