- Claro que sim - respondi. - E, com efeito, de que assunto haveria um homem sensato de gostar de falar e ouvir falar com mais frequência?
- A tua observação é excelente - disse ele. - Escuta então o que eu devia expor-te em primeiro lugar: qual é a natureza e a origem da justiça?
»Os homens pretendem que, por natureza, é bom cometer a injustiça e mau sofrê-la, mas que há mais mal em sofrê-la do que bem em cometê-la. Por isso, quando mutuamente a cometem e a sofrem e experimentam os dois estados, os que não podem evitar um nem escolher o outro julgam útil entender-se para não voltarem a cometer nem a sofrer a injustiça. Daí nasceram as leis e as convenções e considerou-se legítimo e justo o que prescrevia a lei. É esta a origem e a essência da justiça: situa-se entre o maior bem - cometer impunemente a injustiça - e o maior mal- sofrê-la quando se é incapaz de vingança. Entre estes dois extremos, a justiça é amada não como um bem em si mesma, mas porque a impotência para cometer a injustiça lhe dá valor. Com efeito, aquele que pode praticar esta última nunca se entenderá com ninguém para se abster de a cometer ou sofrer, porque seria louco. Tal é, Sócrates, a natureza da justiça e a sua origem, segundo a opinião comum.