O Livro da Selva - Cap. 4: A FOCA BRANCA Pág. 85 / 158

Desembarcou perto do velho Bruxo Marinho, do norte do Pacífico, o grande morso disforme, inchado, borbulhento, de pescoço gordo e presas compridas, que não tem educação senão quando dorme, como então dormia, com as barbatanas posteriores meio dentro e meio fora da ressaca.

- Acorda! -ladrou Cótique, pois as gaivotas faziam grande arruído.

- Ah! Oh! Hum! Que é? - disse Bruxo Marinho, dando um golpe de presas ao morso próximo e acordando-o, o qual deu no seguinte, e assim por diante, até que todos estavam acordados e a olhar em todas as direcções, menos na precisa.

- Olé! Sou eu - disse Cótique, balançando-se na ressaca e parecendo uma lesminha branca.

- E esta! Que me esfolem! - disse Bruxo Marinho.

E todos se puseram a olhar para Cótique como se pode imaginar que um clube de velhos senhores sonolentos se poria a fixar um rapazinho. Cótique não tinha vontade nenhuma de ouvir falar em esfolar; disso já tinha visto o suficiente. Bradou pois:

- Não haverá para as focas nenhum sítio onde os homens não cheguem nunca?

- Vai descobri-lo - disse Bruxo Marinho, fechando os olhos. - Foge daqui. Temos mais que fazer.

Cótique deu no ar o salto de golfinho e berrou com toda a força dos pulmões:

- Papa-amêijoas! Papa-amêijoas!

Sabia que Bruxo Marinho nunca na sua vida apanhara um peixe, mas fossava em busca de amêijoas e algas marinhas, embora quisesse passar por terrível. Naturalmente os tchiquis, os guvarusquis e os epatcas, as gaivotas-burgomestre, as rissas e os mergulhões, que estão sempre à espera de ocasião de serem malcriados, pegaram-lhe na deixa, e - assim me contou Limerchin - durante perto de cinco minutos não se poderia ouvir um canhão disparado na ilha da Morsa. Toda a população berrava e gritava: «Papa-amêijoas! Starique! [Velhote]», ao mesmo tempo que Bruxo Marinho se agitava de um lado para o outro grunhindo e tossindo.





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