Histórias Extraordinárias - Cap. 4: O GATO DO BRASIL Pág. 101 / 136

- A sua despensa não fica longe. Vai desculpar-me um minuto, por favor.

E, sem esperar pela minha resposta, empurrou a porta, que se fechou atrás dele com um estalido de metal.

Foi tal o efeito deste estalido que o meu coração parou.

Invadido por um terror súbito, gelado pelo pressentimento de uma abominável traição, corri para a porta: faltava a maçaneta do lado do interior.

- Acudam-me! - gritei. - Deixe-me sair!

- Não tenha medo. Está tudo bem. Sobretudo, não faça barulho - respondeu-me do corredor a voz do meu anfitrião.

- Não quero ficar assim fechado sozinho.

- A sério?

Ouvi-o estoirar de riso.

- Fique descansado que não ficará muito tempo sozinho.

- Deixe-me sair, senhor - repeti com cólera. - Não admito brincadeiras destas.

- Mas é a palavra - disse ele com uma risada de ódio. Então, de súbito, no meio do estrondo da tempestade, ouvi ranger a roda sob o impulso da manivela e a grade mover-se através da fenda da parede.

Deus do céu! Everard King lançava sobre mim o gato do Brasil.

À luz da lanterna, vi os varões a deslizar lentamente diante de mim. Havia já na outra extremidade uma larga abertura. Com um grito agudo, agarrei no varão mais próximo, puxei com a energia de um louco. Louco estava eu já de horror, de furor, de pavor. Durante um minuto, ou mesmo mais, imobilizei o varão. Mas senti que King se apoiava com toda a força na manivela: a força da alavanca acabaria fatalmente por vencer-me. Cedia centímetro a centímetro, com os pés a deslizarem nas lajes. Contudo, implorei o bandido. Supliquei-lhe que me poupasse a esta morte atroz. Roguei-lhe em nome do nosso parentesco. Recordei-lhe que era seu convidado. Pedi-lhe que me dissesse que mal lhe tinha feito. Ele só me respondia com empurrões no mecanismo; e cada um dos seus esforços, apesar da minha resistência, alargava mais um varão na abertura.





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