De vez em quando, endireitava-se, fingia tomar algum interesse pela conversa, pedia-me para repetir ou completar uma explicação; mas era para tornar a cair sempre no seu devaneio. Por fim, levantou-se e, atirando para o lume a ponta do charuto, disse:
-Vou confessar-lho, meu rapaz: nunca tive cabeça para os números. Deve pôr-me tudo isso num papel e apresentar-me uma conta. Preto no branco, compreenderei melhor.
A proposta devolveu-me a esperança. Prometi fazer conforme era seu desejo.
- Agora é tempo de nos irmos deitar. Meu Deus!, acaba de dar a uma hora no vestíbulo.
O carrilhão soava no meio da trovoada. O vento rolava como um rio.
- Tenho que ir ver o meu gato antes de dormir. Este vento excita-o. Vem comigo?
- À sua inteira disposição!
- Não faça barulho e não fale: está toda a gente a dormir.
Atravessámos em silêncio o vestíbulo, adornado com tapetes da Pérsia e iluminado por um candeeiro; depois transpusemos a porta fronteira e achámo-nos no corredor lajeado de pedra. Aqui reinava a escuridão. Uma lanterna de estábulo estava pendurada num gancho. O meu primo pegou-lhe e acendeu-a. O taipal corrediço já não barrava o corredor. Fiquei assim a saber que o animal se encontrava na jaula.
- Entre - disse o meu primo.
E abriu a porta.
Um rugido abafado acolheu-nos. Sem nenhuma dúvida, o animal sofria a influência da tempestade. À luz incerta da lanterna, avistámo-lo, massa temível e escura, enrolado num canto, projectando na parede branca uma sombra atarracada e singular. A cauda batia raivosamente na liteira de palha.
- O meu pobre Tommy não está de bom humor disse Everard King, erguendo o candeeiro para observá-lo. - Não parece um diabo? Uma pequena ceia vai acalmá-lo. Importa-se de segurar na lanterna?
Tirei-lha das mãos e ele encaminhou-se para a porta.