Mas que iríamos começar a fazer naquele cemitério que era o mundo? Alguma vez o homem teria sido confrontado com tal questão desde o princípio dos tempos? É verdade que as nossas necessidades físicas, e até os nossos luxos, estavam garantidos para o futuro. Todos os armazéns de comida, todos os vinhos velhos, todos os tesouros de arte estavam à nossa disposição. Mas que íamos fazer? Algumas tarefas foram evidentes de imediato, pois estavam prontas para as nossas mãos. Descemos para a cozinha e colocámos as duas criadas nas respectivas camas. Elas pareciam ter morrido sem sofrimento, uma na cadeira junto ao lume, a outra no chão da copa. Depois levámos o pobre Austin do pátio para dentro de casa. Os seus músculos estavam duros como uma tábua num rigor mortis exageradíssimo, enquanto a contracção das fibras tinha deixado na sua boca um grande sorriso sardónico. Este sintoma era característico de todas as pessoas que tinham morrido devido ao veneno. Onde quer que fôssemos, éramos confrontados com aqueles rostos sorridentes, que pareciam troçar da nossa posição terrível, a sorrir em silêncio e sombriamente para os desgraçados sobreviventes da sua raça.
- Escutem - disse lorde John, que andava de um lado para o outro, inquieto, na sala de jantar enquanto nós partilhávamos alguma comida -, não sei como é que vocês se sentem em relação a isso, mas pela minha parte não posso simplesmente ficar aqui sentado sem fazer nada.
- Talvez - respondeu Challenger - possa ter a bondade de sugerir o que pensa que deveríamos fazer.
- Devemos sair daqui e ver tudo o que aconteceu.
- Isso é o que eu próprio sugeriria.
- Mas não nesta pequena aldeia de província. Da janela podemos ver tudo o que este lugar pode mostrar-nos.
- Onde deveríamos ir, então?
- Para Londres!
- Está tudo muito bem - resmungou Summerlee. - O senhor pode aguentar uma caminhada de sessenta e cinco quilómetros, mas não estou tão certo em relação a Challenger, com as suas pernas atarracadas, e estou perfeitamente certo em relação a mim próprio.
Challenger estava muito aborrecido.
- Se pudesse ter a delicadeza de confinar os seus comentários às suas próprias peculiaridades físicas, descobriria que tem um campo amplo para comentar - exclamou ele.
- Não tinha qualquer intenção de o ofender, meu caro Challenger - exclamou o nosso amigo sem discernimento. - O senhor não pode ser considerado responsável pelo seu físico. Se a Natureza lhe deu um corpo baixo e pesado, não poderia deixar de ter pernas atarracadas.
Challenger estava demasiado furioso para responder. Só conseguiu resmungar e piscar os olhos e eriçar-se. Lorde John apressou-se a intervir antes que a discussão se tornasse mais violenta.