O Bobo - Cap. 5: V - A madrugada Pág. 43 / 191

Então, seguindo por meio da selva, narrou ao conde tudo o que se passara na véspera, e a larga história do seu desditoso amor, que o mundo cria retribuído e feliz. Aquela narração eloquente, como a paixão lha ensinava, chegou a comover o ânimo de Fernando Peres, que, distraído a princípio, escutara pacientemente essa larga confidência, com o único intuito de tornar mais íntimos pela gratidão os laços que prendiam à sua sorte um homem, de cujo esforço tanto carecia na dificultosa situação em que se achava.

E assim, apenas Garcia cessara de falar, o conde bradou – e desta vez as suas palavras vinham da alma:

– Cavaleiro, Dulce será tua mulher: juro-o pelas cinzas de meu pai!

Era o mais grave juramento de Fernando Peres. Poucas vezes o ouvira Garcia Bermudes jurar pelas cinzas de Pedro Froilaz.

– Dulce – prosseguiu o conde – é órfã e nobre: por foro de Portugal à sua mãe adoptiva, senhora dos préstamos de que ela é herdeira, pertence escolher aquele que há-de desposá-la. Tu serás o escolhido, e sê-lo-ás talvez hoje mesmo. Afirma-to o conde de Trava.

O cavaleiro ficou por largo espaço pensativo. Reflexões encontradas tumultuavam no seu espírito. Nestas eras civilizadas em que a ideia do amor é mais pura nos corações que o compreendem, nenhum ânimo generoso deixaria de recusar com horror esse meio violento de satisfazer seus desejos. Naqueles rudes tempos, porém, a generosidade e a delicadeza dos afectos morais era mais um instinto confuso que uma doutrina definida, gravada na alma pela educação e pelas crenças sociais. Era por isso que Garcia hesitava entre o íntimo aconselhar de uma nobre consciência e o cego desejo de paixão ardente. A tenuíssima esperança que ainda lhe restava fez triunfar, enfim, a sua natural generosidade.





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