O Bobo - Cap. 7: VII - O homem do zorame Pág. 61 / 191

– «Escrevo-te, Gonçalo Mendes – lia o abade –, nas vésperas talvez de morrer. Deus porventura não quer que meus olhos tornem a ver o lugar onde nasci. Novas são aqui vindas de que Fernando Peres de Trava tem reduzido à condição de vassalo o nobre filho de meu senhor, o conde Henrique. Criei-me com o infante: sei que ele não o sofrerá largo tempo, nem os ricos-homens de Portugal o sofrerão também. A minha espada pertence àquele de quem a recebi em Zamora: resolvi-me por isso a atravessar os mares. Um recontro com os infiéis me cortou, porém, os passos. Tu, Lidador, acorrerás ao infante melhor que o seu Egas, que é o seu irmão de armas. Cem lanças, entre acostados e homens de tuas honras, podes pôr em seu campo: eu a custo lhe levaria cinquenta. E, além disso, não vale a tua espada dez vezes mais que a minha? Se a guerra for começada sei certo que já estarás com D. Afonso. Um pobre romeiro português me jurou sobre a cruz dar-te esta carta onde quer que te encontrasse. Faze-lhe mercê por minha alma.»

Durante a leitura do pergaminho, humedecido pelas lágrimas do velho, o desconhecido havia procurado conter as paixões que lhe agitavam o espírito. Gonçalo Mendes ficara em silêncio, apertando com a mão a fronte. O homem do zorame dirigiu-se então ao abade:

– Quanto a vós, venerável monge, o nobre cavalheiro me ordenou vos buscasse em vosso mosteiro; que vos pedisse um trintário cerrado de vossos frades, e que vos lembrásseis dele em vossas orações. Agora que mandais de mim?

– Vais partir? – perguntou o Lidador, com um tom em que parecia revelar-se a desconfiança.

– Já – tornou o romeiro. – É noite; e não sei ainda se é longe se perto o termo da minha jornada.





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