Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 6: CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Pág. 101 / 156

Mariana acompanhara-os na misteriosa saída do Porto: soube-se, porém, que, ao passarem em Braga, a órfã entrara nas Ursulinas, mosteiro de educação.

Esta menina era a terceira mulher rica do baile.

Sabido isto, respirou um pouco a maledicência. Já os arpéus da hipótese achavam duro onde morder. Acordaram, portanto, em conciliábulo, algumas famílias honestas, que Mariana fora encontrada em flagrante desprezo do seu pudor e, por isso, enclausurada no mosteiro bracarense.

Toda a gente ia ter com o Dr. Anselmo Sanches para evidenciar a conjetura.

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Era o doutor amigo íntimo da família, pertencia ao conselho tutelar da órfã, curava dos negócios litigiosos do brasileiro e podia muito na casa, dominando a vontade do dono, que se fiava dele, mais seguro que em si próprio. Trinta e oito anos teria Anselmo. Em conta o tinham de homem exemplar em todas as qualidades boas, exceto na jurisprudência, em que era ignorante mais que o ordinário. Isso, porém, não lhe danificava o bom nome. Os seus muitos apologistas, se duvidavam dar-lhe procuração para os representar no foro, sobramente o indemnizavam, confiando-lhes mulheres, filhas e - o que mais é no Porto - o dinheiro.

Tinha o Dr. Sanches uma cara mais que feliz para se fazer benquisto. Nunca fechava a boca. O queixo inferior, pedindo sempre, servia-o às maravilhas, quando parecia escutar com dor os escândalos que os oradores encartados da Assembleia Portuense (*) expectavam do peito sujo, onde a asma senil desafogava pela detração injuriosa.

[(*) Ao tempo que Silvestre da Silva escrevia esta impertinência contra a Assembleia Portuense, tinha esta sociedade uma sala privativa de alguns indivíduos, que se divertiam contando passagens da vida alheia, em linguagem acomodada aos assuntos.





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