Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 7: TERCEIRA PARTE – ESTÔMAGO
CAPÍTULO I - DE COMO ME CASEI Pág. 125 / 156

Notem já que a minha linguagem vai adquirindo um corpo e cor e uma certa consistência que não tinha. Os entendidos hão de achar que esta gravidade sentenciosa só pode dá-la uma inteligência algum tanto espalmada pela pressão do estômago. E assim é que se explicam os adiposos bacamartes do frade, cujo intelecto se nutria e inflava nas roscas do cachaço, pedestal digno daquelas grandes e repletas cabeças. A ciência do frade, pois, era a ciência das funções alimentícias. Todo o estômago, bem regulado, produz um génio.

Convinha-me, pois, vassourar da minha testada um influência odiosa: era o regedor da freguesia que nunca ma tinha perdoado os artigos em que lhe excruciei a estúpida ferocidade contra recrutas. A segunda vítima, destinada ao sacrifício da minha pachorrenta paz, era o vigário.

Enquanto ao regedor, as dificuldades deviam ser enormes, visto que todos os governos tinham achado nele um galopim, que vingava trezentos e vinte sufrágios.

Era preciso contaminar-lhe os créditos com a broca da retórica. Acerquei-me de três lavradores influentes da freguesia, expus-lhe a decadência do País e a inevitável perda da independência nacional, se continuássemos a dar o nosso voto irracionalmente a deputados da confiança do regedor.

Dei na minha casa preleções de direito constitucional a estes e outros lavradores levados pelos primeiros. Feri faíscas naquelas cabeças tapadas como pedreiras de mármore negro, e posso afoitamente asseverar que nunca a eloquência fez maiores milagres. Falei-lhes em nome do estômago, como Menénio Agripa, no monte sagrado, aos romanos fugidiços de Roma. Compreenderam o apólogo melhor que eu mesmo, e pediam-me com entusiasmo a repetição da história. O meu olhar, remedando o meu ilustre predecessor no doutrinamento da plebe, mirava a convencê-la de que o regedor da freguesia era o cancro do estômago social.





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