Ora, o cair da baixeza dos cálculos racionais é coisa que faz riso aos outros, e por isso muito comparável ao tombo que damos de um ignóbil burro. O cavalo despenha-nos e, com as crinas eriçadas, resfolga e arqueia-se com gentis corcovos. O burro, depois que nos sacode pelas orelhas, não é raro escoicear-nos. É o mesmo, se a comparação vos quadra, nas quedas do amor e nas quedas do raciocínio. Das primeiras erguemo-nos sacudindo as folhas secas de umas ilusões, enquanto outros gomos vêm já desabrolhando na alma para mais tarde reflorirem. Das segundas não há senão lama a sacudir e muita pisadura a curar com o bálsamo do tempo e de uma vida brutalmente desapegada de tudo que ultrapassa o momento da sensação.
A este viver assim de convalescença é que eu, por não sei que simpatia com a víscera essencial das nobilíssimas funções animais e espirituais, denominei o estômago.
Não pensem, porém, que eu hei de consumir o restante da minha individualidade em comer. Há faculdades que não se obliteram imolando-as a uma única manifestação da vida orgânica: o mais que pode fazer o espírito é impulsioná-las, concentrá-las e convergi-las todas para um ponto. De maneira que todas as minhas faculdades de ora em diante em volta do estômago as rege, e não há de alguma ideia preocupar-me sem sair elaborada nas mesmas cinco horas que os fisiologistas assinam às funções digestivas.
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Logo que me aposentei para largo tempo na minha casa, curei de remover e prevenir todos os empeços ao sessego das minhas digestões.
Quando esta providência falta, nenhum cálculo vinga. Nenhuma semente vos desabrocha bem prosperada, se descurais o amanho da terra. Antes sair com as mãos feridas do arroteamento de carrascais e silvedos que ver abafados os renovos entre o mato.