Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 7: TERCEIRA PARTE – ESTÔMAGO
CAPÍTULO I - DE COMO ME CASEI Pág. 138 / 156

Dizia assim:

Os teus cabelos me prenderam,

E teus olhos me mataram;

Os teus lindos pés me fugiram,

Quando morta me deixaram.

Entre as mãos frias de neve

Um raminho me puseste;

Levaste as rosas e os cravos,

Deixaste murta e cipreste.

Entrei de surpresa na varando e disse à maviosa cantora:

- Quem lhe ensinou essa letra tão triste e bonita?

- Ai! - exclamou ela -, não pensei que estava aí...

Estas cantigas eram as de menina de Chaves.

- Quem era a menina de Chaves?

O padre tomou à sua conta a resposta, e disse:

- Era a namorada de um meu condiscípulo no Seminário de Braga, que morreu de amores por ele no Convento de Sant’Ana, e ele também morreu por ela. Eram ambos de Chaves. Eu fiquei com o papelinho em que a coitada escreveu as coplas que a minha sobrinha canta a chorar.

- E está a chorar! - disse eu, vendo-lhe nos olhos espelhado um raio da Lua.

- Não que eu - disse Tomásia entre risonha e lagrimosa - tenho uma pena da criatura!...

- Dela somente? - interrompi.

- E dele, que lá foi procurá-la ao outro mundo.

As lágrimas desta mulher que nome têm se não são a sublime poesia da ternura, que eu ainda agora encontro pela primeira vez!..., disse eu entre mim, de modo que o estômago me não ouvisse. E as cinzas, que foram coração, estremeceram levemente.

***

Ao amanhecer do dia seguinte ouvi a voz do sargento-mor, que passeava no pomar contíguo à casa.

Desci ao pomar e perguntei-lhe se tinha resolvido seriamente dar-me a sua filha.

O velho encostou o queixo às mãos, que assentavam sobre uma bengala alta de cana encostada em marfim, e disse:

- Eu tenho uma só palavra: sou o sargento-mor de Soutelo, cavaleiro professo na Ordem de Cristo desde 1812 e cavaleiro da Ordem da Verdade, filha de Cristo, desde que me conheço.





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