.. - disse Tomásia a rir.
- Anda lá, rapariga - acudiu o padre João -, que tu também gostas de ver o fundo da caneca... Essas cores não se criam com água.
- Bebe, bebe, cachopa - disse o sargento-mor -, que o vinho é meia mantença.
Quando o pichel passou da minha mão à de Tomásia, reparei que ela assentou os lábios no rebordo molhado por onde eu tinha bebido. E, como visse que eu dera fé, corou.
Ao entardecer voltámos a casa.
***
Depois de ceia, Tomásia saiu a uma varanda de cantaria que dominava dilatadas várzeas orladas de arvoredo.
Os padres, o sargento-mor e eu ficámos praticando em sistemas de governo e discutindo as vantagens da representação nacional sobre o alvitre de um só homem. Os ardores da polémica eram refrigerados com beijos no pichel, beijos longos, longos, e absorventes como beijos de amantes.
O sargento-mor, como já não entendesse as teorias absolutistas dos irmãos, nem as minhas de emancipação social, adormeceu encostado ao espaldar de uma cadeira de couro.
A questão foi esmorecendo consoante as forças intelectuais iam convergindo para o lavor da digestão. A ceia tinha sido pouco menos chorumenta que o jantar. Afora duas galinhas, amarelas de gordas, com o seu préstito de salpicões, no centro da mesa, estava o alguidar do anho assado, que lourejava estirado sobre um vasto plano de arroz, atauxiado de rodelas de linguiça.
Três padres foram deitar-se, e o mais letrado dos quatro, padre João, disse- me se eu queria ir à varanda ver o rio prateado pela Lua e as penumbras dos altos serros circumpostos à graciosa aldeia.
Quando passávamos para a varanda, parei, e pedi ao padre que parasse.
Estava Tomásia cantando uma toada popular, triste como todas as cantilenas do Minho e Trás-os-Montes. A melancolia não a dava a letra menos que a música.