Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 7: TERCEIRA PARTE – ESTÔMAGO
CAPÍTULO I - DE COMO ME CASEI Pág. 152 / 156

As famílias do tom mais miserandas

Aquelas são que têm sege em cachoeira

E seu guarda-portão;

Que dos riscos de giz do merceeiro

Deduz-se que a barriga

É imolada às glórias do brasão.

São moda agora uns fofos vaporentos

Omelettes souflés denominados,

E omelettes sucrées;

Emblema são do tempo estes bocados,

De todo o ponto avessos

Ao estômago sincero português!

Pondera alguém que as raças se depuram

Ao passo que a tintura vermelhaça

Dos rostos se some;

Dizem que a palidez extrema a raça;

Mas eu de mim não creio

Que seja perfeição: acho que é fome.

Em caução da minha crítica, declaro que me afasto dos admiradores de Silvestre, se alguns ele tem, como poeta. A genuína poesia não é aquilo, nem o foi nunca. O poeta puro-sangue levanta-se sobre o lodo da vida real e senhoreia-se dos milhares de mundos que Deus criou para os génios e os génios tomaram das mãos de Deus para cantá-los. Poeta que canta a sopa e o cozido falseia a sua vocação de medíocre cozinheiro. Assim é que eu, zeloso sacerdote da arte, entendo a poesia, e nem aos mortos indulto. Antes quisera ter de o criticar somente por umas bagatelas métricas com que Silvestre da Silva algumas vezes rastreou Nicolau Tolentino. A mordacidade distancia-se da poesia quanto as sátiras de Boileau discriminam das contemplações de Vitor Hugo. Aqui se traslada, ainda assim, o género em que prelevou Silvestre, à competência com Faustino Xavier de Novais, ambos, para assim dizer, feridos do mesmo dente da musa mordente:

Eu já fui rapaz do tom,

E, com pesar de o ter sido,

Resolvi fazer-me bom;

E ao mundo que hei ofendido,

Em paga, faço-lhe um dom.

Dos meus colegas, é certo,

Que os artifícios traidores

Hei de mostrar bem de perto.

Quero pôr a descoberto

Seus planos sedutores.





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