Quando a vítima incauta
(Quero dizer a donzela),
Chilreando em tom de flauta,
Lança à noite da janela
Cartinha escrita por pauta.
O poetastro entra em casa,
Devora, sôfrego, a empada,
E, se não é maré vaza
De inspiração desgrenhada,
Bate do estro a negra asa.
O que primeiro lhe acode
Não é o ardente dizer,
Que pintá-lo melhor pode;
Primeiro, cumpre saber
Se há de ser canção ou ode.
Vai, depois, pondo em fileira
As regrinhas desasadas;
Arrepela a cabeleira,
Rói as unhas mal lavadas,
E, por fim, rebenta asneira.
Borra a pintura que fez,
E versos novos maquina;
Recorda doutros que, há um mês,
Mandara a certa menina,
Que, com ele, amava três.
Nova edição incorreta
Da cataplasma daninha
Impinge o vesgo poeta
A analfabeta vizinha
Que engole os versos e a peta.
Engole, digo, pois quando
Ela, com custo, os soletra,
Parece está-los mascando;
E admira não ver setra
Com dois corações sangrando!
Repete os versos à amiga
Que diz nunca os vira iguais;
Mas, não sabendo o que diga
Em resposta a mimos tais,
Manda-lhe velha cantiga.
Os diques da inspiração
Rompem-se alfim em torrentes
De frutos de maldição;
Não são trovas, são candentes
Jorros de aceso vulcão.
Já começa a dar gemidos
A imprensa pouco honesta
Com os versos nunca lidos,
Que leitor grave detesta
Porque os fins são já sabidos.
E não leva a bela a mal
Que o mundo diga que é ela
Quem figura no jornal,
Disfarçada em nívea estrela
om promessas de imortal.
À inveja de certa amiga
Nem isto quer que se esconda.
E, soberba, se empertiga,
Vendo-se em letra redonda,
Do pai cruel inimiga.
Já o vate exímio abarca
Um pensamento profundo,
Vem-lhe à memória Petrarca,
Que deixou cá neste mundo
Laura zombando da parca.