Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 3: CAPÍTULO II - A MULHER QUE O MUNDO RESPEITA Pág. 36 / 156

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Tinha-se achegado de nós o sujeito que lhe dava o braço à entrada. No rosto de Paula conheci o receio de ter sido ouvida pelo cavalheiro, que a olhava com desconfiança.

Nunca mais tive a oportunidade de lhe falar. Às três horas, saiu Paula, e eu fui para o meu quarto devorar o restante da noite em repetir-me as palavras dela com tanto afeto que o próprio galicismo já me soava aos ouvidos como as vernaculidades do meu querido Castilho.

Eu tinha à mão a Primavera daquele autor. Abria-a ao acaso, quando os raios do sol, coados pelo transparente verde, me iluminavam alegremente o quarto.

Em pouco está transfigurar-se o espírito do homem. Com a luz parece que entraram as esperanças: era o anjo delas que descera nos raios do sol. Abri à ventura a Primavera, e saíram-me como prenúncios e maiores alegrias estes versos:

Sobre as aras de Amor todas oferecem:

Os ais do adorador nenhuma ofendem,

Comprazem-se de ouvir que as chamam belas...

Se nos ouvem cruéis, se esquivas fogem,

É porque insana lei de atroz costume

Lhes ordena o fugir...

A mãe universal, ou cedo ou tarde

Vence, triunfa, e no triunfo leva

O sexo encantador já manietado.

Todas opões sabida resistência;

Mas cumpre não ceder: por nós combatem

Seu mesmo coração, e a natureza...

Fui lendo os dulcíssimos preceitos com que o mimoso poeta aconselha os amantes desditosos, e, num arraiar de alegria louca, dei nestes versos:

Começaremos ofertando às ninfas

Sobre altares campestres, levantados

Das árvores à sombra, ao pé das fontes,

Ou nas grutas do fresco, ou sobre outeiros,

Festões, grinaldas, passarinhos, frutos

E capelas de búzios e de conchas...

O poeta ensina, nesta passagem, a amar as ninfas; e eu, afeito à nomenclatura da escola arcadiana, pensei que ninfa era um epíteto genérico para toda a mulher que se ama.





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