II Este ofício era-lhe mais generoso que o de alfaiate. Tinha muitas horas livres para sua melancolia, e muitos esconderijos no amplo palácio de seu amo para refugiar-se duma sociedade que ele detestava sem saber por quê.
Este viver excepcional naquela galhofeira, estúrdia, e estragada, excitou a curiosidade dos seus companheiros, e, depois, a dos amos. Aqueles chasqueavam-no com desabrimento: estes admiravam-no por compaixão.
Bernardo chorava sem motivo. Sorria-se com violência. Era humilde com um não sei quê de estranha delicadeza. Destacava-se da sua classe com um ar orgulhoso, mas não calculado. Cumpria as suas muitas obrigações, e ninguém sabia quando as cumpria. Estas qualidades, raríssimas vezes encontradas num lacaio, tornavam-no assunto de estudo para os amos, que principiavam a interessar-se na análise daquele obscuro enjeitado.
Guardadas as inauferíveis distâncias que separam o senhor do servo, os fidalgos souberam que Bernardo desejava muito saber ler, e gastava a maior parte da noite soletrando o abecedário, decorando as lições que o mordomo da casa lhe dava nas horas de desenfado.
Qualquer que fosse o impulso que a isso o levou, é certo que o amo, por um nobre impulso, permitiu que o rapaz fosse a uma escola, e para isso aliviou-o dos encargos de rapaz de tábua, e elevou-o à hierarquia de escudeiro do menino mais velho.