Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 436 / 630

Enfim, nem posso explicar, era como o céu que se abria, via-me contigo numa casa nossa... Foi uma tentação!... E depois era horrível, no momento em que tu me querias tanto, ir dizer-te «não faças tudo isso por mim, olha que eu sou uma desgraçada, nem marido tenho...» Que te hei de explicar mais? Não me resignava a perder o teu respeito. Era tão bom ser assim estimada... Enfim foi um mal, foi um grande mal... E agora aí está, vejo-me perdida, tudo acabou!

Atirou-se para o chão, como uma criatura vencida e finda, escondendo a face no sofá. E Carlos, indo lentamente ao fundo da sala, voltando bruscamente até junto dela, tinha só a mesma recriminação, a mentira, a mentira, pertinaz e de cada dia... Só os soluços dela lhe respondiam.

- Porque não me disseste ao menos depois, aqui nos Olivais, quando sabias que tu eras tudo para mim?...

Ela ergueu a cabeça fatigada:

- Que queres tu? Tive medo que o teu amor mudasse, que fosse doutro modo... Via-te já a tratar-me sem respeito. Via-te a entrar por aí dentro de chapéu na cabeça, a perder a afeição à pequena, a querer pagar as despesas da casa... Depois tinha remorsos, ia adiando. Dizia «hoje não, um dia só mais de felicidade, amanhã será...» E assim ia indo! Enfim, nem eu sei, um horror!

Houve um silêncio. E então Carlos sentiu à porta Niniche que queria entrar e que gania baixinho e doloridamente. Abriu. A cadelinha correu, pulou para o sofá, onde Maria permanecia soluçando, enrodilhando a um canto: procurava lamber-lhe as mãos, inquieta: depois ficou plantada junto dela, como a guardá-la, desconfiada, seguindo, com os seus vivos olhos de azeviche, Carlos que recomeçara a passear sombriamente.

Um ai mais longo e mais triste de Maria fê-lo parar. Esteve um momento olhando para aquela dor humilhada... Todo abalado, com os lábios a tremer, murmurou:

- Mesmo que te pudesse perdoar, como te poderia acreditar agora nunca mais? há esta mentira horrível sempre entre nós a

separar-nos! Não teria um único dia de confiança e de paz...





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