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Capítulo 14: Capítulo 14

Página 173

I

Em primeiro lugar desejo registrar as recordações físicas, os sons, cheiros e aspeto das coisas.

É curioso que, com nitidez maior do que qualquer outra coisa ocorrida posteriormente na guerra civil espanhola, eu me lembre da semana em que recebemos o chamado "treinamento", antes de seguirmos para a frente de luta - o enorme quartel de cavalaria em Barcelona, com seus estábulos arejados e pátios cobertos de paralelepípedos, o frio regelado da bomba onde se lavava o rosto, as refeições imundas que eram tornadas toleráveis pelas vasilhas cheias de vinho, as mulheres milicianas de calça comprida e rachando lenha, e a chamada bem cedo pela manhã, na qual meu prosaico nome inglês fazia um espécie de interlúdio cômico entre os retumbantes nomes espanhóis, Manuel Gonzalez, Pedro Aguilar, Ramon Fenellosa, Roque Balíaster, Jaime Domenech, Sebastian Viltron, Ramou Nuvo Bosch. Enuncio estes nomes porque recordo muito bem as fisionomias de seus donos. Com exceção de dois, que eram da rale e certamente se tornaram bons falangistas a esta altura, e provável que os demais estejam mortos. Dois deles eu sei que morreram, o mais velho com seus vinte e cinco anos, o mais novo com dezasseis.

Uma das coisas essenciais da guerra e o fato de jamais podermos escapar aos odores nada atraentes e de origem humana. As latrinas são objeto já por demais descrito na literatura de guerra, e eu não faria qualquer referência às mesmas, a não ser pelo fato de que as de nosso quartel tiveram sua parte na destruição de minhas ilusões a respeito da guerra civil espanhola. O tipo de latrina dos latinos, na qual é preciso acococar-se, já não constitui coisa muito boa, mas aquelas eram feitas de algum tipo de pedra polida, tão escorregadia que se tornava difícil estar de pé. Alem disso, estavam sempre entupidas. Ora, tenho muitas outras coisas desagradáveis na memória, mas acredito que foram essas latrinas o que trouxe, pela primeira vez, o pensamento que voltaria com tanta frequência: Aqui estamos nós, soldados de um exercito revolucionário, defendendo a democracia contra o fascismo, lutando numa guerra que foi travada por algum motivo, e o detalhe de nossas vidas e tão sórdido e degradante quanto seria numa prisão, quanto mais num exercito burguês! Muitas outras coisas vieram, mais tarde, reforçar essa impressão, como por exemplo o tédio e a fome animalesca que despertava a vida de trincheira, as intrigas mesquinhas por causa de comida, as brigas importunas e ridículas em que se empenham homens esgotados por não dormirem o bastante.

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Capa do livro Homenagem à Catalunha
Páginas: 193
Página atual: 173

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 12
Capítulo 3 19
Capítulo 4 32
Capítulo 5 39
Capítulo 6 51
Capítulo 7 64
Capítulo 8 70
Capítulo 9 81
Capítulo 10 105
Capítulo 11 130
Capítulo 12 142
Capítulo 13 157
Capítulo 14 173