Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 189 / 273

O seu pensamento era uma névoa de dúvidas e autodesconfiança, iluminada, por momentos, por relâmpagos de intuição, mas relâmpagos de tão grande esplendor que, nesses momentos, o mundo parecia fugir-lhe debaixo dos pés como se tivesse sido consumido pelo fogo; e, depois deles, a sua língua tornava-se pesada e os seus olhos não correspondiam aos olhares dos outros homens, porque ele sentia que o espírito da beleza o tinha envolvido, como um manto, e que, em sonhos, pelo menos, havia travado conhecimento com a nobreza. Mas, quando este breve orgulho feito de silêncio já não o sustinha, sentia-se feliz por se encontrar ainda no meio das vidas comuns, caminhando entre a sordidez e o ruído e a preguiça da cidade, sem medo e com o coração leve.

Perto do muro do canal, encontrou o tísico com a sua cara de boneco e o seu chapéu sem aba, que descia a rampa da ponte, na sua direcção, em pequenos passos, com o sobretudo cor de chocolate bem abotoado, e segurando o guarda-chuva enrolado a um ou dois palmos de distância do corpo, como se se tratasse de uma varinha de rabdomante. Deviam ser onze horas, pensou, e espreitou para o interior de uma leitaria, para ver as horas. O relógio da leitaria disse-lhe que faltavam cinco minutos para as cinco, mas, quando se voltou, ouviu um relógio algures, perto dele mas invisível, dar as onze badaladas com rápida precisão. Riu-se, ao escutá-lo, porque o fez pensar em McCann, e reviu a sua figura atarracada, com um casaco e calções de caça, e uma pêra loura, de pé, batido pelo vento na esquina da Hopkins, e ouviu-o dizer:

- Dedalus, tu és um ser anti-social, voltado para ti mesmo.

Eu não. Eu sou um democrata e vou trabalhar e agir pela liberdade e igualdade sociais entre todas as classes e sexos nos Estados Unidos da Europa do futuro.





Os capítulos deste livro