As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 11 / 339

Creio que estive assim mais de nove horas. Era já de dia quando despertei. Procurei erguer-me, sem sucesso. Encontrava-me deitado de costas, e os meus braços e as minhas pernas, tal como a minha comprida e abundante cabeleira, estavam fortemente amarrados ao solo de ambos os lados. Notei também várias pequenas ligaduras por todo o corpo, desde as axilas aos joelhos. Como só podia olhar para cima e o Sol começava a aquecer, a luz perturbava a minha visão. Ouvi um ruído confuso em meu redor mas, em semelhante posição, apenas podia contemplar o céu. Passado pouco tempo senti que um ser vivo se movia pela minha perna esquerda e avançava cuidadosamente para o peito até quase à altura do queixo. Quando baixei os olhos tanto quanto pude, avistei uma criatura humana que não chegava às seis polegadas de altura, com um arco e uma flecha nas mãos e uma aljava nas costas.

Senti ao mesmo tempo, pelo menos, quarenta sensações idênticas (ou assim me pareciam) que se seguiam à primeira. Estava tão espantado que lancei um forte rugido que os fez retroceder de pavor. Alguns, como depois me disseram, feriram-se na queda, quando saltavam do meu corpo para o chão. No entanto, em breve estavam de volta; um deles atreveu-se a chegar até ao ponto em que podia avistar todo o meu rosto e, levantando as mãos e abrindo os olhos surpreendidos, gritou com voz penetrante mas clara: Hekinah degul. Os outros repetiram várias vezes estas mesmas palavras que, na altura, não entendi. Como o leitor poderá compreender, sentia-me desconfortável. Por fim, ao tentar desatar-me, tive a sorte de romper as cordas e arrancar as estacas que prendiam o braço esquerdo ao chão e, ao levantá-lo até à minha cara, descobri como me tinham atado.





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