As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 122 / 339

A Glumdalclitch e a mim foi-nos atribuída uma carruagem em que a professora dela nos levava amiúde, quer para visitar a cidade, quer para fazer compras; e eu, dentro da minha caixa, formava sempre parte do grupo; a menina, contudo, costumava retirar-me dela para satisfazer a minha curiosidade, segurando-me na mão para que, durante os passeios pelas ruas, pudesse contemplar as casas e as pessoas com mais facilidade. Calculei que a superfície da carruagem era como a de Westminster Hall, ainda que de menor altura; mas estes dados não passam de uma mera estimativa. Certo dia, a professora ordenou ao nosso cocheiro que se detivesse em várias lojas. Aproveitando o momento, os mendigos amontoaram-se à volta da carruagem apresentando, a meus olhos, o mais horrível espectáculo com que se podia deparar um europeu. Havia uma mulher com cancro num peito, inchado em proporções monstruosas, cheio de cavidades, em duas ou três das quais poderia perfeitamente ter deslizado e ficar completamente escondido. Havia um tipo com um quisto sebáceo no pescoço, maior que cinco fardos de lã, e outro com duas muletas, cada uma das quais com cerca de vinte pés de altura. Mas o mais odioso de tudo eram os piolhos que passeavam pelos farrapos. À vista desarmada, e com nitidez, podia ver as articulações destes insectos muito melhor que as de um piolho europeu através de um microscópio, assim como os seus focinhos que foçavam como cerdos. Eram os primeiros que via e teria sido bastante interessante dissecar um deles se tivesse à mão instrumentos apropriados (que, infelizmente, deixara no barco), ainda que só vê-los fosse tão nauseabundo, que me dava voltas ao estômago.




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