As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 151 / 339

Não digo isto com a menor intenção de desprestigiar as virtudes daquele excelente monarca, cuja reputação, e estou consciente disso, será afectada pela opinião do leitor inglês depois deste relato, mas por considerar tal defeito como produto da ignorância, por não ter restringido a política a uma ciência, como o fizeram os génios mais perspicazes da Europa. Recordo bem que, numa conversa que tive um dia com o rei, ocorreu-me dizer que na Europa se tinham escrito vários milhares de livros acerca da arte de governar, e isto mereceu da sua parte uma opinião que de todo não compartilho muito negativa quanto à nossa capacidade. Confessou que abominava e desprezava todo o secretismo, astúcia e intriga, quer isso fosse feito por príncipes, quer promovido por ministros. Ele não podia perceber o que eu quis dizer com «segredos de Estado», quando não se tratava em concreto de um inimigo ou de uma nação rival. Reduzia a arte de governar a limites tão estreitos como o senso comum, a razão, a justiça e a indulgência, a rápida resolução dos processos cíveis e penais, e a outros aspectos óbvios que não merecem menção. Acrescentou que, em sua opinião, quem quer que fizesse crescer duas espigas de trigo ou dois legumes nalgum local do solo onde antes crescera apenas um, prestaria melhor serviço à espécie humana e ao seu país que todos os políticos do mundo juntos.

A cultura destas gentes tem muitas deficiências. Baseia-se tão-só na ética, na história, na poesia e nas matemáticas, áreas em que deve reconhecer-se que se destacam. Quanto às matemáticas, eram totalmente aplicadas a aspectos práticos da vida, à melhoria da agricultura e de todas as artes mecânicas, coisas de escasso interesse para nós. Quanto a conceitos, essências, abstracções e transcendências, nunca consegui despertar neles o menor interesse.





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