As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 292 / 339

Mas a Fortuna, meu implacável inimigo, estabelecera que estaria afastada de mim tal felicidade. Reconforta-me pensar agora, no entanto, que em tudo o que contara sobre os meus compatriotas procurara diminuir os seus defeitos, na medida do possível, perante um observador tão rigoroso. Sempre que o assunto o permitia, procurei salientar os aspectos favoráveis. Não é verdade, de resto, que qualquer ser vivo se mostra inclinado e parcial em relação ao seu lugar de origem?

No essencial, já narrei as diversas conversas mantidas com o meu amo durante a maior parte do tempo em que tive a honra de servi-lo, embora, por razões de brevidade, tenha omitido muitos mais assuntos que aqui não são mencionados.

Quando respondi a todas as suas perguntas e a sua curiosidade pareceu ser totalmente satisfeita, mandou-me chamar uma manhã cedo e ordenou que me sentasse a determinada distância (deferência que até então não me tinha concedido). Disse-me que meditara de forma muito séria no meu relato, em mim e na minha pátria. Considerava-nos uma espécie animal que, por um inexplicável acaso, recebera uma exígua dose de raciocínio; mas utilizávamos este apenas como um meio para agravar a nossa corrupção natural ou para adquirir novos defeitos com que a natureza não nos dotara. Que nós próprios nos despojávamos das poucas qualidades que ela nos concedera e que havíamos conseguido indubitavelmente alargar o leque das nossas necessidades primitivas, de modo que gastávamos toda a nossa vida a procurar, em vão, satisfazê-las de uma forma ou de outra. Quanto à minha pessoa, era evidente que não possuía a agilidade nem o vigor de um yahoo normal.





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