As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 59 / 339

Porque tanto essa infame prática de se conseguir empregos importantes dançando sobre uma corda, como a de ostentar distintivos especiais por saltar uns bastões e deslizar sob eles, perceberá o leitor que foram introduzidas pelo avô do actual imperador e, devido ao progressivo aumento de interesses e de partidos, foram-se multiplicando até à situação actual.

A ingratidão constitui para eles, como noutros países, segundo apresentam os livros, um crime capital. Porque têm a opinião de que aquele que provoca algum dano ao seu benfeitor, de quem só recebeu benefícios, converte-se necessariamente num inimigo do resto da humanidade. Não convém, pois, que continue a viver.

As concepções referentes aos deveres entre pais e filhos diferem, em grande extensão, das nossas. Porque, uma vez que a conjunção de macho e fêmea para a reprodução e continuação da espécie se baseia numa grande lei natural, os liliputianos sustentam que os homens e mulheres se unem, como os restantes animais, por motivos de gozo sensual. E que a ternura mostrada aos jovens provém do mesmo princípio natural: por tal motivo nunca aceitarão que uma criança tenha qualquer obrigação devida ao pai ou à mãe por terem-no concebido ou trazido ao mundo. O que, considerando as misérias da vida humana, não era um benefício per se, nem tal tinha sido a intenção dos pais, que albergavam outras ideias muito diferentes nos seus encontros amorosos. Por estes e outros motivos consideram que os pais são os últimos em quem se pode confiar para a educação dos seus próprios filhos. Assim, têm jardins-de-infância em todas as cidades para onde os pais, excepto os aldeãos e lavradores, são obrigados a enviar os filhos de ambos os sexos, ao chegar a idade de vinte luas, para que sejam criados e educados quando se crê que tenham um mínimo de docilidade.





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