As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 97 / 339

Por outro lado, ao falar das damas da corte imperial, costumava comentar-se que uma tinha sardas, outra a boca demasiado grande, outra ainda o nariz demasiado largo defeitos esses que eu não conseguia detectar. Reconheço que estas reflexões parecem óbvias mas, apesar disso, não pude deixar de fazê-las com receio de que o leitor considerasse estas criaturas gigantescas verdadeiros monstros. Pelo contrário, devo afirmar, para ser justo, que são uma raça muito formosa; particularmente, os traços do meu amo (que era um verdadeiro lavrador) pareciam-me muito belos quando os contemplava à distância de sessenta pés.

Depois de ter acabado de comer, o meu amo voltou para o campo para junto dos assalariados; e, pelo que pude deduzir dos seus gestos e voz, pediu à mulher que tivesse o maior cuidado comigo. Estava muito cansado e com vontade de dormir. Ao verificar isso, a minha ama colocou-me na sua cama e cobriu-me com um lenço limpo e branco, mas maior e mais grosseiro que a vela maior de um barco de guerra.

Dormi cerca de duas horas e sonhei que estava em casa com a minha mulher e os meus filhos. Isto aumentou a minha aflição quando, ao despertar, me encontrei só num espaçoso aposento com cerca de trezentos pés de largura e mais de duzentos de altura, deitado numa cama com vinte pés de largo. A minha ama fechara a porta enquanto se ocupava das fainas domésticas. Da cama para o chão havia oito jardas de altura. Certas necessidades naturais impeliam-me a descer. Não me atrevi a chamá-la; e mesmo que o intentasse não teria valido a pena, dada a debilidade da minha voz e a grande distância entre o quarto onde estava deitado e a cozinha onde se encontrava a família. Nesta altura, dois ratos treparam pela colcha e começaram a corrichar pela cama, a farejar-me.





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