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Mas para que hei-de relatar aqui as passagens rapidíssimas desta descoberta surpreendente? Já adivinharam a verdade! Ali estava bem à vista o embrulho, o frasco, o pó branco dentro, um pó qualquer! Mas não era qui nino. Bastava olhar para ele. Recordo-me de que, no preciso instante em que peguei no frasco, antes ainda de o desembrulhar, o peso do que tinha nas mãos me despertou uma suspeita momentânea. O quinino é de uma leveza de pluma, e os meus nervos estavam sobreexcitados a ponto de adquirirem uma sensibilidade fora do habitual. Deixei cair no chão o frasco, que se partiu em pedaços. A substância, fosse o que fosse, deu-me impressão de ser como areia debaixo das solas dos meus sapatos. Lancei a mão ao frasco seguinte, e depois ao outro. O peso deles bastava para dizer tudo. Um atrás do outro, caíram no chão, partiram-se aos meus pés, não por eu os arremessar consternado, mas escapando-se-me dos dedos como se aquela revelação fosse superior às minhas forças.
É um facto comprovado que a própria intensidade de um choque mental nos auxilia a suportá-lo, produzindo uma espécie de temporária insensibilidade. Atordoado, saí do camarote como se um objecto pesado me tivesse caído em cima da cabeça. Ransome, com um espanador na mão, do outro lado da câmara, olhava por cima da mesa, espantado, boquiaberto. Eu não pensava ter um ar propriamente transtornado. É muito possível que a minha pressa me traísse, porque me precipitei instintivamente na direcção do convés. Os actos mais característicos da nossa formação profissional tornam-se instintos. As dificuldades, os problemas de um navio no mar, têm que ser por força enfrentados no convés.
Foi assim, como se se tratasse da coisa mais natural deste mundo, que eu reagi por instinto: o que pode ser uma prova de, momentaneamente, ter perdido o uso da razão.
