A República - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 182 / 290

- Sucede-lhes, no entanto, creio eu, admitir que as mesmas coisas são boas e más, não é assim? - Sem dúvida.

- Portanto, é evidente que a questão comporta graves e numerosas dificuldades.

- Como negá-lo?

- Ora bem! Não é evidente que a maioria das pessoas optam pelo que parece justo e belo e, mesmo quando assim não é, querem fazê-lo, possuí-lo ou tirar disso fama, ao mesmo tempo que ninguém se contenta com o que parece bom, procura-se o que o é realmente e cada um, neste campo, despreza a aparência?

- Com certeza - disse ele.

- Ora, esse bem que todas as almas perseguem e com vista ao qual fazem tudo, de cuja existência suspeitam, sem poderem, na sua perplexidade, compreender suficientemente o que ele é e acreditar nele com a fé sólida que têm noutras coisas - o que as priva das vantagens que delas poderiam tirar -, esse bem tão grande e precioso deve ficar coberto de trevas, perguntamos nós, para os melhores da cidade, aqueles a quem confiaremos tudo?

- Sem dúvida que não - respondeu.

- Penso, portanto, que as coisas justas e belas terão um guarda de pouco valor naquele que ignorar em que é que elas são boas; pressagio até que ninguém as conhecerá bem antes de o saber.

- O teu presságio é admissível.

- Pois bem! Teremos um governo perfeitamente ordenado, se tiver por chefe um guarda que conheça estas coisas?

- Necessariamente - disse ele. - Mas tu, Sócrates, fazes consistir o bem na ciência, no prazer ou em qualquer outra coisa?

- Ah!, até que enfim! - exclamei. - Há muito que era evidente que, neste ponto, não te contentarias com a opinião dos outros!

- É que não me parece justo, Sócrates, que exponhas as opiniões dos outros e não as tuas, atendendo a que há muito tempo que te ocupas destas questões.

- Como? - inquiri. - Parece-te justo que um homem fale do que ignora, como se o soubesse?

- Não como se o soubesse; mas pode expor o que pensa a título de suposição.

- Ora bem! Não notaste a que ponto são miseráveis as opiniões que não se fundamentam na ciência? As melhores são cegas - porquanto vês alguma diferença entre cegos que caminham a direito por uma rua e os que alcançam pela opinião uma verdade de que não possuem a inteligência?

- Nenhuma - confessou.

- Preferes então contemplar coisas feias, cegas e disformes, quando te é permitido percebê-las, por outro lado, claras e belas?





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