A República - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 229 / 290

- Como poderia ser de outro modo?

- E, uma vez ateado o fogo, não querem apagá-lo, nem da maneira que dissemos, impedindo os particulares de disporem arbitrariamente dos seus bens, nem desta outra maneira: fazendo uma lei que suprima tais abusos.

- Que lei?

- Uma lei que se seguiria a outra contra os dissipadores e que obrigaria os cidadãos a serem honestos; com efeito, se o legislador ordenasse que as transacções voluntárias se fizessem geralmente com risco daquele que empresta, enriquecer-se-ia com menos impudência na cidade e ver-se-iam menos desses males a que nos referíamos há pouco.

- Muito menos - concordou.

- Ao passo que, actualmente, os governantes, pelo seu comportamento, reduzem os governados a esta triste situação. E, no que respeita a eles próprios e aos seus filhos, não é verdade que estes jovens são dissolutos, sem força para os exercícios físicos e intelectuais, moles e incapazes de resistir quer ao prazer, quer à dor?

- Inteiramente de acordo.

- E eles próprios, unicamente preocupados em enriquecer e desprezando tudo o resto, inquietar-se-ão mais do que os pobres com a virtude? -Não.

- Ora, com tais disposições, quando os governantes e os governados se encontram juntos, em viagem ou em qualquer outra circunstância, numa deputação, no exército, em mar ou em terra, e se observam mutuamente nas ocasiões perigosas, não são os pobres que são desprezados pelos ricos, muitas vezes, pelo contrário, quando um pobre magro e queimado do sol se encontra na refrega ao lado de um rico alimentado à sombra e carregado de gordura e o vê ofegante e embaraçado, não achas que diz para si mesmo que esses indivíduos não devem as suas riquezas senão à cobardia dos pobres? E, quando estes se encontram entre si, não dizem uns aos outros: «Estes homens estão à nossa mercê, porque não prestam para nada»?

- Estou convencido - respondeu - de que pensam e falam assim.

- Ora, como basta a um corpo débil um pequeno choque vindo do exterior para cair doente, como às vezes até a desordem se manifesta nele sem causa exterior, não é verdade também que uma cidade, numa situação análoga, é atingida pelo mal e se despedaça a si mesma por um pretexto fútil, tendo um ou outro dos partidos pedido auxílio a um Estado oligárquico ou democrático? E, às vezes, a própria discórdia não chega a rebentar sem intervenção estranha?

- Sim, com certeza.





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