A República - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 287 / 290

Mas essas vidas não implicavam nenhum carácter determinado da alma, porque esta devia necessariamente mudar consoante a escolha feita. Todos os outros elementos existência estavam misturados com a riqueza, a pobreza, a doença e a saúde; entre estes extremos havia quinhões médios. Parece que é aqui, Gláucon, que reside para o homem o risco capital; eis porque cada um de nós, pondo de lado qualquer outro estudo, deve, sobretudo, preocupar-se em procurar e cultivar este, ver se está em condições de conhecer e descobri: o homem que lhe dará a capacidade e a ciência de distinguir as boas e as más condições e escolher sempre as melhores, na medida do possível. Calculando qual é o efeito dos elementos de que acabamos de falar, tomados juntos e depois separadamente, sobre a virtude de urna vida, conhecerá o bem e o mal que proporciona uma certa beleza, unida quer à pobreza quer à riqueza e acompanhada desta ou daquela disposição da alma; quais são as consequências de um nascimento ilustre ou obscuro, de uma condição privada ou pública, da força ou da fraqueza, da facilidade ou da dificuldade em aprender e de todas as qualidades semelhantes da alma, naturais ou adquiridas, quando se misturam umas com as outras; de modo que, confrontando todas estas considerações, e não perdendo de vista a natureza da alma, poderá escolher entre uma vida má e uma vida boa, chamando má à que possa tornar a alma mais injusta e boa à que a torne mais justa, sem atender ao resto; com efeito, vimos que, durante esta vida e depois da morte, é a melhor escolha que se pode fazer. E é preciso defender esta opinião com diamantina inflexibilidade descendo ao Hades, a fim de também aí não se deixar deslumbrar pelos riquezas e pelos miseráveis objectos desta natureza; não se expor, lançando-se sobre tiranias ou condições semelhantes, a causar males sem número e sem remédio e a sofrer outros ainda maiores; a fim de saber, pelo contrário, escolher sempre uma condição média e evitar os excessos nos dois sentidos, nesta vida, tanto quanto possível, e em toda a vida futura; porque é a isto que se liga a maior felicidade humana.

»Ora, segundo o relato do mensageiro do além, o hierofante dissera, ao lançar os destinos: «Mesmo para o último a chegar, se fizer uma escolha sensata e perseverar com ardor na existência escolhida, há uma condição agradável, e não má. Que o primeiro a escolher não se mostre negligente e que o último não perca a coragem.»





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