A República - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 52 / 290

»Todos estes discursos, meu caro Sócrates, e muitos outros que se fazem sobre a virtude, o vício e a estima que lhes manifestam os homens e os deuses, que efeito pensamos que produzem na alma do jovem dotado de bom carácter que os ouve e é capaz, saltando de uma opinião para outra, de extrair daí uma resposta a esta pergunta: que se deve ser e que estrada se deve seguir para atravessar a vida da melhor maneira possível? É provável que diga a si mesmo, com Píndaro: Treparei, pela justiça ou por tortuosos ardis, uma muralha mais alta, para aí me consolidar e passar a minha vida? De acordo como que se diz, se eu for justo sem o parecer, não tirarei disso nenhum proveito, mas aborrecimentos e danos evidentes; injusto, mas gozando de uma reputação de justiça, dir-se-á que levo uma vida divina. Portanto, visto que a aparência, como o demonstram os sábios, violenta a verdade e é senhora da felicidade, para ela devo tender inteiramente. Como fachada e cenário, devo traçar à minha volta uma imagem de virtude e imitar a raposa do muito sábio Arquíloco, animal subtil e fértil em artimanhas. «Mas», dir-se-á, «não é fácil esconder-se sempre quando se é mau.» Com efeito, não, responderemos, e também nenhuma grande empresa é fácil; contudo, se queremos ser felizes, devemos seguir o caminho que nos é traçado por esses discursos. Para não sermos descobertos, formaremos associações e heterias, e há mestres de persuasão para nos ensinarem a eloquência pública e judicial; graças a estes socorros, persuadindo aqui, violentando acolá, venceremos sem incorrer em castigo. «Mas», argumentar-se-á, «não é possível escapar ao olhar dos deuses nem violentá-los». Se eles não existem ou se não se ocupam dos problemas humanos, devemos preocupar-nos em escapar-lhes? E, se existem e se ocupam de nós, apenas os conhecemos por ouvir dizer e pelas genealogias dos poetas; ora, estes pretendem que são susceptíveis, mediante sacrifícios, devotas preces ou oferendas, de se deixar vergar e é preciso acreditar nestas duas coisas ou em nenhuma. Portanto, se é preciso acreditar, seremos injustos e far-lhe-emos sacrifícios com o produto das nossas injustiças. Com efeito, se fôssemos justos, estaríamos isentos de castigo por eles, mas renunciaríamos aos benefícios da injustiça; pelo contrário, sendo injustos, teremos esses benefícios e, por meio de preces, escaparemos ao castigo das nossas faltas e dos nossos pecados.





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