A República - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 79 / 290

-Também compreendo isso - respondeu. - É a forma própria da tragédia.

- A tua observação está certíssima - prossegui - e penso que agora vês claramente o que não te podia explicar há pouco, isto é, que há uma primeira espécie de poesia e de ficção inteiramente imitativa que compreende, como disseste, a tragédia e a comédia; uma segunda em que os factos são relatados pelo próprio poeta - encontrá-la-ás sobretudo nos ditirambos - e, finalmente, uma terceira, formada da combinação das duas precedentes, em uso na epopeia e em muitos outros géneros. Compreendes-me?

- Sim, entendo o que há pouco querias dizer.

- Lembra-te também de que antes disso dizíamos que tínhamos tratado do fundo do discurso, mas que nos faltava examinar a forma.

- Estou lembrado.

- Dizia eu precisamente que tínhamos de decidir se permitiríamos aos poetas compor narrativas meramente imitativas ou imitar uma coisa, e não outra, e quais de uma e outra parte, ou se lhes proibiríamos a imitação.

- Adivinho - disse ele - que vais analisar se devemos admitir ou não a tragédia e a comédia na nossa cidade.

- Talvez - respondi -, e talvez mais do que isso, dado que não o sei ainda; mas por onde a razão, como um sopro, nos leva, por aí devemos ir.

- Muito bem dito.

- Agora, Adimanto, considera se os nossos guardas devem ser ou não imitadores. Do que dissemos atrás não se segue que cada um só pode exercer bem um ofício, não vários, e que quem tentasse entregar-se a vários falharia em todos, ao ponto de não granjear fama em nenhum?

- Como não seria assim?

- Ora, o raciocínio não é o mesmo no que respeita à imitação? O mesmo homem pode imitar várias coisas tão bem como uma só?

- Por certo que não.

- Ainda menos poderá exercer simultaneamente uma profissão importante e imitar várias coisas, ser imitador, visto que as mesmas pessoas não podem triunfar em duas formas de imitação que parecem próximas uma da outra, como a tragédia e a comédia; não dizias tu há pouco que eram imitações?

- Sim, e tens razão ao dizeres que as mesmas pessoas não podem triunfar em ambas.

- Nem sequer se pode ser ao mesmo tempo rapsodo e actor.

- É verdade.

- E os actores que representam nas comédias e tragédias não são os mesmos; ora, tudo isto é imitação, não é?

- Imitação.





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