Eneida - Cap. 5: Os Jogos Fúnebres Pág. 101 / 235

Levantando a custo as pálpebras pesadas de sono, respondeu Palinuro:

— Porventura pensas tu que não conheço a aparência enganadora do mar tranquilo e das ondas sossegadas? Mandas que eu confie nesse monstro traiçoeiro? Como podes pedir-me que entregue o nosso bom chefe Eneias aos ventos pérfidos, sabendo como sabes que já fomos por eles mil vezes enganados, sob a aparência de céu sereno?

E, agarrado ao leme, fitava as estrelas, mas Morfeu bateu-lhe nas frontes direita e esquerda com um ramo molhado nas águas do rio Letes e nas húmidas gotas da lagoa Estígia. Toda a sua luta contra a poderosa divindade do sono foi inútil e o fiel piloto fechou os olhos, adormecendo profundamente. Morfeu projectou-o então, de cabeça, nas ondas e, abrindo as asas, desapareceu na direcção dos céus. Apesar dos angustiosos gritos e chamados do piloto, de nada se aperceberam os companheiros, imersos em profundo sono, e a armada seguiu para a frente, silenciosamente, pelas águas escuras, entregue à vontade de Neptuno.

Depois de um certo tempo, Eneias acordou e, vendo o seu barco desarvorado, tomou-lhe o leme.

— Ó triste sorte — chorou o rei troiano — tiveste tu, Palinuro, meu velho amigo e piloto habilidoso, levado pelo mar de que sempre desconfiaste! O teu corpo jazerá insepulto em alguma praia desconhecida.





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