ENEIAS NO MUNDO DAS SOMBRAS
Chorando a perda do amigo fiel, Eneias dirigiu a frota troiana para Cumas. Os barcos giraram e encostaram as popas à areia, enquanto as altas proas apontavam para a oceano. A garra tenaz das ancoras prendia-os à praia. Desembarcou então aquele punhado de jovens aguerridos e vigorosos nas costas da tão esperada Itália. Enquanto uns se preocupavam em acender fogo com as pederneiras, outros apanhavam lenha nos bosques ou exploravam as redondezas.
Eneias dirigiu-se então à floresta e escalou uma grande elevação no amo da qual existia um imponente templo dedicado a Apolo. Próximo deste ficava a enorme caverna, o antro da horrenda e ameaçadora Sibila, em cujos ouvidos os deuses vinham murmurar os seus segredos.
Diz a lenda que Dédalo, o artífice habilidoso cujas artes e invenções enchiam os homens de espanto, se aventurou um dia a lançar-se aos ares com umas asas por ele mesmo fabricadas e que colara às costas com cera. Fugindo de Minos, rei de Creta, Dédalo voou com seu filho Ícaro, que o pai também dotara de asas semelhantes às suas. Mas Ícaro, alegre com a leveza que lhe permitia flutuar no ar à semelhança dos pássaros, tentou voar — apesar das advertências do pai — próximo demais do Sol. A cera, amolecendo com o calor de Hélio, fez cair as asas dos ombros do imprudente jovem, que mergulhou então nos mares profundos, não mais sendo visto na terra. Fora igualmente Dédalo que construíra os caminhos tortuosos e sem fim do Labirinto, onde o rei Minos mantinha prisioneiro o Minotauro, aquele monstro de duas formas, metade touro, metade homem. Chegando a Cumas nas suas asas artificiais, Dédalo erguera esse templo a Apolo, feito de puro mármore branco. Nas suas portas de bronze esculpira, em alto-relevo, muitas cenas trágicas. Entre elas, Eneias e os companheiros viram a morte de Andrógeo, filho do rei Minos, e também o destino triste dos Cecrópidas atenienses, os quais, como castigo, tinham de dar, por ano, sete dos seus filhos para serem devorados pelo Minotauro. Do lado oposto a essas figuras, via-se o amor pecaminoso de Pasífica, esposa de Minos, e seu filho disforme, o próprio Minotauro, que um dia seria destruído por Teseu.