ENEIAS E DIDO
Ficaram todos em silêncio e, reclinando-se nos macios divãs, voltaram-se, expectantes, para Eneias. O troiano, passando assim a foco das atenções, começou a narrar a triste história do destino da sua cidade. Falou-lhes da captura do grego Sinão e do estratagema do cavalo de madeira. Os seus ouvintes encheram-se de horror e de pena quando ouviram a descrição do saque e do incêndio da florescente cidade, do assalto e da profanação dos templos e dos santuários. Mencionou a selvajaria brutal de Pirro, filho de Aquiles, e a coragem do rei Príamo. Fez desfilar todos os acontecimentos aos ouvidos dos cartagineses, terminando com a sua chegada às praias da Líbia. E já passava muito da meia-noite quando findou.
Dido, a rainha, não desviava os olhos do herói, presa ao sortilégio das r suas palavras. Várias vezes a narrativa — tão comovente que era — lhe fazia vir lágrimas aos olhos e arfar o peito. Enquanto ouvia a história, o seu amor por aquele que a contava ardia, e ardia cada vez mais profundo na sua alma. Escutava-o — lábios entreabertos e respiração suspensa — a falar moderadamente dos próprios feitos e os olhos luziam-lhe de um amor que r não conseguia esconder.
A noite, passou-a em claro a rainha, consumida pela paixão que lhe devorava o sangue e que não a deixava afastar da mente o rosto, as palavras e os gestos do herói. Quando se aproximou a aurora de açafrão, fazendo fugir do céu e da terra as sombras da noite, Dido levantou-se e dirigiu estas palavras a sua irmã Ana:
— Que noite má passei, entre insónia e pensamentos agitados! Que hóspede é este que entrou na nossa casa e tanto perturba a minha alma? Com tal rosto, tais armas e tais feitos, não posso deixar de acreditar que seja filho dos deuses. O temor dá a conhecer os animas fracos.