Eneida - Cap. 9: Os troianos são Cercados Pág. 168 / 235

Não importa — disse então o chefe da tropa, dirigindo-se a Enrolo —, tu pagarás com o teu cálido sangue a morte dos meus soldados.

E, desembainhando a espada, avançou contra Euríalo. Niso, aterrado com a sorte do amigo, adiantou-se, sem poder mais conter-se, e exclamou:

— Alto! Matai-me a mim, que fui eu quem disparou os dardos. Voltai contra mim o ferro, ó rótulos. De todo o crime sou eu o autor. Esse ai nada tentou, nada pode e de tal são testemunhas os céus.

Ainda não acabara de falar e já a espada, impelida com força, trespassava as costas de Eunalo, que rolou no solo nas vascas da morte, com o sangue a escorrer-lhe dos membros, e o pescoço exanime a pender-lhe dos ombros. Parecia uma flor purpúrea que, cortada pelo arado, desfalece moribunda ou as papoulas que, de hastes curvadas, pendem os seus copos, cheios de chuva.

Alucinado de dor com a morte do amigo, Niso lançou-se para o meio dos rótulos, com a espada flamejante e os olhos a faiscar de ódio e de desejo de vingança. Por toda a parte lhe eram vibrados golpes, mas ele só a Volscente procurava e, abrindo caminho por entre laminas cortantes, chegou-se ao inimigo que bradava por socorro e enterrou-lhe a espada fulmínea pela boca. Trespassado já de muitos golpes, atirou-se ao corpo do amigo exalando o último alento.

Felizes ambos! Se os versos do poeta algum valor têm, nenhum dia jamais vos riscará da memória dos séculos enquanto os romanos habitarem o imortal rochedo do Capitólio.

Os rótulos transportaram então a presa e os despojos para o acampamento, chorando a morte do seu chefe. Lá, o ambiente não era menos triste. A madrugada tinha encontrado Ramnete, Serrano, Numa e muitos outros soldados e servos exangues, sem vida. Já então a aurora, com a sua primeira luz deixava o leito de açafrão de Tita e inundava a terra com a sua claridade matinal, com o Sol a dardejar os seus raios e tornando todos os objectos bem distintos.





Os capítulos deste livro