Eneida - Cap. 3: Eneias Chega a Cartago Pág. 54 / 235

Vénus, no entanto, arquitectava novas artimanhas. Quis que Cupido, tomando o aspecto do menino Ascânio, se apresentasse à rainha e lhe ateasse na alma o fogo de um amor abrasador por Eneias. Temia a deusa da beleza que os cartagineses não fossem fiéis e desconfiava da sua ambígua linguagem. Perturbava-a o ódio de Juno aos troianos e esperava, com aquele plano, conservar Dido a seu lado. Chamando Cupido, o deus-menino do amor, assim lhe falou:

— Ó filho meu, a quem confio todo o meu poder de escravizar os corações de moços e donzelas! Ó filho, que não temes os raios do próprio Júpiter, é a ti que agora me dirijo. Sabes bem que teu o irmão Eneias tem percorrido os mares agitados e aportado a praias selvagens por obra da iníqua Juno. Tu o sabes e te tens compadecido das suas adições. Agora, Dido, da Fenícia, retém-no e fá-lo demorar-se com palavras lisonjeiras. Temo o resultado dessas amabilidades e creio que Juno está por trás de tudo isso. Assim, quero que a rainha se prenda a Eneias por grande amor e que nenhuma outra influência a faça mudar de ideias. A ti cabe envolvê-la com enganos e incendiar-lhe o coração. Ouve, agora, o meu plano. O príncipe Ascânio, a chamado do pai, prepara-se para ir a Cartago, levando à rainha os presentes que Júpiter houve por bem aprovar que fossem salvos das chamas e dos escombros de Tróia. Esconderei o menino, adormecido, num recinto sagrado — sobre o monte Idábio ou na minha ilha de Citera — para que de nada desconfie. Tu então te disfarçarás nele e dele representarás o papel durante uma noite. Assim, quando Dido, feliz, te receber no banquete, quando te abraçar e beijar, tu lhe irás inculcando o fogo oculto do amor e contagiando-a com o veneno da paixão.

Cupido — o Amor — obedeceu às palavras da querida mãe e, tirando as asas, imitou o modo de andar e de falar de Ascânio, seguindo com Acates para a cidade. Nesse interim, Vénus prostrara o menino em profundo sono e levara-o para os altos bosques da Idália, onde, à sombra de uma manjerona que exalava o perfume das suas flores, o deixara adormecido.





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