Eneida - Cap. 4: Eneias e Dido Pág. 58 / 235

Continuou Dido:

— E como lhe foram ingratos os destinos e como o perseguiram as lutas, sem que se lhe alquebrassem a coragem e a inabalável certeza de vencer! Apesar de eu ter tomado a firme resolução de jamais receber outro homem em casamento, depois de meu amado Siqueu ter sido tão cobardemente assassinado, trazendo-me sofrimento e pena, sinto-me fraquejar ao olhar a beleza desse troiano. Ele foi o único, após a morte do meu querido esposo, a fazer estremecer o meu coração e vacilar a minha vontade. Apesar disso, desejo que os abismos mais profundos da terra se abram para mim, que o Pai Omnipotente me arremesse com seus raios para as sombras escuras e eternas do Érebo, antes que eu, Dido, fique surda à voz do pudor e desafie impudentemente as suas leis. Aquele que primeiro se uniu a mim pelos votos do amor e do casamento, levou o meu coração para a rumba.

— Ó minha irmã, mais querida que a terna luz do Sol, não fales assim. Consumir-te-ás sozinha, chorando durante toda a tua mocidade por um amor perdido? Crês tu que os restos sepultados se importam com o modo como procedes? Deixarás de gozar os prazeres que te podem dar uma prole numerosa e sadia? É verdade que nenhum dos pretendentes — dos muitos que em Tiro e aqui na Líbia se apresentaram — conseguiu até hoje conquistar o teu coração. Mas porque resistir a um amor que se apresenta tão agradável? E não te esqueças do lugar onde ergueste a tua cidade. De um lado, as cidades da Getúlia, raça insuperável na guerra, as númidas selvagens e Sirte. Pelas bandas do deserto ameaçam-te os barceus, sem falar nas ameaças que poderão surgir de Tiro e do teu irmão. Foi Juno e foram os deuses que para aqui fizeram aproar as quilhas das birremes troianas. Já pensaste quão grandiosa poderá ser a tua cidade se, por esse casamento, aos cartagineses unires os troianos, tão bravos nos feitos das armas? Penitencia-te junto aos deuses, celebra-lhes sacrifícios enquanto engendras mil e um modos de fazer Eneias demorar-se junto a nós até a chegada do feio Inverno, altura em que o mar embravecido, o vento que açoita os barcos e as forças do firmamento em desalinho o impedirão de fazer-se ao mar por alguns meses.





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