Eneida - Cap. 5: Os Jogos Fúnebres Pág. 95 / 235

Apareceu-me em sonhos a figura da pitonisa Cassandra, que distribuía fachos ardentes. Procurai aqui Tróia — disse — aqui tendes a vossa casa. Já é tempo de assim procedermos. Há aqui quatro altares levantados a Neptuno. Oremos para que os deuses nos dêem fogo e coragem.

Assim falando, avançou primeiro a deusa Íris, disfarçada em forma humana, e arrebatou de um altar o archote traiçoeiro. Levantando-o no braço direitos agitou-o no ar e arremessou-o contra os navios. Os pensamentos das mulheres troianas perturbaram-se e os seus ânimos confundiram-se com a fala e a acção decidida da pérfido divindade. Uma delas, a mais velha, chamada Pirgo, antiga ama dos filhos de Príamo, falou:

— Ó mães troianas, esta mulher não é a vossa Béroe, não é a esposa de Dóriclo. Notai-lhe os sinais da formosura divina, os olhos ardentes. Que espírito estranho a anima, que rosto, que som de voz, que passas, que andar? Eu mesma há pouco deixei Béroe no seu leito, adoentada, triste porque só ela não nos podia auxiliar nas homenagens ao pai Anquises.

Mas as matronas, inicialmente vacilantes e indecisas, olhavam os navios com maus olhos, entre o amor excessivo à terra onde estavam e os reinas prometidos pelos destinos. Nesse momento, a deusa Íris abriu as asas e lançou-se pelo espaço aberto, cortando grande arco-íris entre as nuvens. Atónitas com o prodígio e impelidas pelo furor, bradaram todas elas e arrebataram as tochas e os ramos dos altares lançando-os aos barcos. O fogo propagou-se rápido pelo cordame, pelos bancos dos remadores, pelos próprios remos e pelas popas e proas pintadas de fresco.

Eumelo, vendo o desastre, correu rápido na direcção do túmulo de Anquises, perto do qual se realizavam os jogos. Todos ouviram atónitos as noticias e Ascânio, à frente do seu esquadrão de jovens cavaleiros, lançou-se a todo o galope na direcção da costa. Ali chegado, bradou:

— Que loucura é essa? Que furor possesso se apossou das vossas mentes? Ó mulheres imbecis, não foram navios gregos que queimastes, mas sim os vossos próprios e nessas chamas se esvai a esperança que nos animava. Olhai, é Ascânio, filho de Eneias, que vos fala.





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