O cavaleiro e o monge, cujos olhos se haviam afeito à luz escassa da lanterna do bobo, estavam pasmados ouvindo aquelas palavras e vendo aquele gesto truanesco, em que se pintavam o ódio, a raiva, a desesperação. Atónitos, custava-lhes a crer o que presenciavam, ignorando o que se passara no jardim pênsil. O Lidador largara o braço de Dom Bibas; e a muito custo puderam os dois perceber dos seus discursos truncados o motivo do furor do chocarreiro.
– Fico tranquilo! – disse por fim Gonçalo Mendes. – A injúria cruel que recebeste e essa sede de vingança são os teus fiadores. Agora afastemo-nos daqui – acrescentou ele dirigindo-se ao abade. – Não devo demorar-me por mais tempo. Cumpre ter tudo disposto para sairmos ao romper de alva. A Virgem e Sant’Iago sejam convosco.
Ia a afastar-se. Dom Bibas, porém, o reteve, segurando-lhe com força a orla do saio.
– Não saireis sem me ouvirdes! – exclamou o bufão. – Quando os sisudos traçam, como vós, impossíveis, importa que os loucos tenham juízo por eles. Os vossos intentos são vãos; porque antes da madrugada vinte homens de armas da terra da Maia terão sido arrastados aos calabouços desse castelo, e talvez a cabeça de ilustre rico-homem tenha rolado aos pés do algoz. Certo cavaleiro, que há pouco trajava um zorame, deve, se cair nas mãos do conde de Trava, acompanhar o nobre senhor neste transe que o aguarda. O cavaleiro do zorame chama-se Egas Moniz, e o rico-homem chama-se Gonçalo Mendes da Maia.
O abade ficara estupefacto ouvindo as palavras do bobo; porém no ânimo do Lidador, o perigo iminente que este lhe anunciava só despertou mais violenta indignação misturada de curiosidade. Como soubera Dom Bibas da vinda de Egas Moniz? Como adivinhara ele os intentos do conde de Trava? Qual era esse meio que se gabava de ter para os salvar? Havia nisto tudo um enigma, cuja explicação era necessário encontrar. O chocarreiro, porém, lhe rasgou o véu do mistério.